

UrboRural
Agora com 92 anos, Joaquim Santos fez parte do grupo fundador da Liga dos Pequenos e Médios Agricultores no distrito de Évora, participou na Reforma Agrária e contribuiu para a proliferação das Cooperativas.Conforme explicou ao Urbo Rural, a Reforma Agrária foi aplicada nas propriedades que estavam ao abandono, algumas que nessa época nem gado tinham.
Eram tempos de fome e miséria, a população não conseguia trabalho... Quando se deu do 25 de Abril formaram-se grupos que ocuparam grande parte das terras abandonadas. "Aproveitávamos a terra para aquilo que ela dava, onde se podia semear trigo semeava-se trigo, se era para tomate semeávamos tomate, ou arroz, era para aquilo que dava!".
Apesar do movimento ser muitas vezes associado ao Partido Comunista Português, Joaquim afirma que "quem foi para as terras foram os trabalhadores. O Partido Comunista não tinha nada com isso! Foi um movimento de analfabetos, como eu e como os outros! Imagine: havia um analfabeto com mulher e um filho ou dois e nenhum tinha trabalho. Com a Reforma Agrária, todos tinham trabalho. E mais! Até àquela data, os trabalhadores do campo não estavam colectados em sítio nenhum, andavam para ali à balda! Só depois do 25 de Abril é que entraram no Regime de Trabalho e começaram a surgir as portarias de trabalho".
Conforme acontecia com a maior parte da população que vivia nos campos, Joaquim não sabia ler nem escrever, mas tinha muita "cegueira" com os folhetins do Camponês e do Avante, duas revistas proibidas na altura... para os poder ler sem que fosse descoberto, estudou a Cartilha Maternal que começou a ler às escondidas.
Com a Reforma Agrária, os celeiros existentes nas estações dos Caminhos de Ferro não eram suficientes para albergar o trigo que os agricultores recolhiam, "enchia-se tudo e sobrava metade e o pessoal andava todo empregado!", justificou.
A primeira Herdade que o alentejano ocupou foi a do Monte Branco, em Vendas Novas. Para o efeito foram feitas três reuniões numa Sociedade: na primeira criou-se uma Direcção, na segunda, mais composta, decidiram como fazer a ocupação. Foi na terceira que o grupo definiu dia e hora para ocupar as terras.
Apesar dos seus 92 anos, Joaquim Santos recorda-se como se tivesse acontecido ontem:"Éramos cerca de 60 ou 70 pessoas e marcámos encontro na Herdade do Monte Branco uma hora antes de nascer o sol. Estavalá o feitor e nós dissémos “isto está ocupado pelos trabalhadores”. Ele disse que ia chamar o patrão mas o telefone já não funcionava porque já lá tínhamos posto uma coisa pesada nos fios (risos) para ele não trabalhar. Metemos as mãos à obra e chegámos a um ponto em que já éramos 360!".
Onde esteve havia 12 propriedades, "os donos tinham 1.300 ovelhas e 160 cabeças de gado vacum. Ao fim de pouco tempo, a Cooperativa tinha 5 mil ovelhas, 3 manadas de porcas criadoras com 30 porcas cada uma, uma manada com 180 vacas a criar, em vacas taurinas a dar leite tínhamos 45, 80 bezerros a engordar e ainda uns 1.300, 1.400 porcos! Foi isso que devolvemos aos agrários quando acabaram com a Reforma Agrária".
Confrontado com o facto de muitos defenderem que o movimento contribuiu para enriquecer camponeses à custa dos grandes feitores, Joaquim defende que "ninguém roubou nada! A terra é do Estado, não tem dono! Tanto que não tem que temos de pagar contribuições dela por tudo e por nada! Os agrários nunca viveram melhores tempos do que esses em que as terras estiveram ocupadas, porque recebiam indemnizações e muitos deles ainda hoje as recebem. Se me vierem dizer que tudo foi muito bem feito na Reforma Agrária, eu digo que é mentira! Houve muitas coisas mal feitas, mas se tivéssemos um Governo a favor dos trabalhadores, tinha-se decidido ver o que é que estava mal para se poder corrigir. Mas não! Tivémos quem destruísse tudo e os grandes criminosos foram o doutor Mário Soares e o Barreto... eles agora é que deviam ir para o Alentejo comer o que lá há, porque só lá há silvas e mato", respondeu, agastado.
Pelo exposto, acrescenta que "tiraram tudo aos trabalhadores e agora quem tem olhos que vá lá ver os quilos e quilos de azeitonas que ali ficaram sem ser apanhados! No concelho de Montemor havia 15 lagares a funcionar os 12 meses do ano, agora só um é que trabalha e não mais do que 30 dias".
Entre os passos dados na clandestinidade, Joaquim Santos destaca as inúmeras concentrações feitas antes do 25 de Abril, algumas que chegavam a reunir 400 a 500 pessoas, durante a noite... os encontros decorriam no campo, "tínhamos uma hora marcada, cada um tinha o seu controleiro que só controlava 4 ou 5 pessoas. Nós já sabíamos onde ele estava escondido e antes de lá chegar fingíamos que tínhamos tosse ou dávamos um pontapé numa pedra, ele aparecia e levava-nos para junto do restante grupo. Isto eram grupos que se iam juntando nos vários concelhos do distrito de Évora para decidir o futuro dos trabalhadores rurais".
Actualmente, Joaquim Santos reside em Santiago do Escoural, terra de Casquinha e Caravela, rapaz e homem mortos ao serviço da Reforma Agrária. Este foi o mais sangrento episódio de que houve memória na época e que veio marcar o excesso de violência que ocorreu aquando a ocupação de terras. O homicídio deu-se na Freguesia de São Cristovão, em Vale Nobre, quando os homens tentavam evitar que lhes tirassem umas vacas alentejanas que eram da Cooperativa.
Conforme recorda, "a malta juntou-se para os apoiar e consta-se que os dois foram mortos por filhos de agrários vestidos de polícias... Nesse funeral estiveram milhares de pessoas vindas de todo o País, eu sei lá... o cortejo fúnebre tinha pelo menos 10 quilómetros de fila, aquilo foi uma das maiores manifestações políticas que houve em homenagem aos homens assassinados e à Reforma Agrária"!
O alentejano não tem dúvidas que tanto o excesso de fogos como a desertificação no Alentejo estão relacionadas com o fim da Reforma Agrária, já que "nessa altura dávamos emprego a muita gente nova, agricultores, veterinários, tractoristas... a maioria teve de emigrar, o Alentejo está deserto, as árvores estão a secar porque não são tratadas... muito gado existe por causa dos subsídios que o estado atribui, mas o que é bom vai para fora e o que é ruim vem para ser consumido em Portugal... E apesar de ter acabado, se não fosse a Reforma Agrária havia ainda mais miséria e fome, porque a maior parte dos alentejanos nesta altura nem direito a Reforma ia ter".
A jeito de conclusão, Joaquim Santos não tem pena nenhuma daquilo que fez e acrescenta que "só tenho pena do tanto
que sofremos de noite e dia e ver que isto está a voltar ao que era... já há coisas piores do que existiam antes do 25 de Abril, os filhos matam pais, os pais matam filhos e mães... e só já há uma coisa a dizer: não prendam os ladrões todos, senão ficamos sem Governo"!